domingo, 10 de junho de 2012

O SER E O NADA NA ABORDAGEM DO MEDO

Podemos dizer que o homem tomou ciência do medo a partir do momento que ele deixou de ser um animal que pensava para sobreviver e começou a estabelecer significados para sua vida como a linguagem falada, noção de grupo, etc. Isso aconteceu cerca de cinquenta mil anos atrás. Na verdade, o medo não é privilégio somente dos seres humanos, outras formas de vida tem medo, é uma questão de alta preservação. Mas, em relação ao homem, a atribuição de significados em sua vida lhe permite uma constatação, a sua finitude, que ele vai morrer.
    Saber que nós nascemos para que gradativamente comece uma contagem regressiva para a morte não é nada confortável. Que nossa atmosfera possui um dos elementos que nos permite a vida, o oxigênio, é o mesmo que vai deteriorando nossos corpos, como se fosse uma espécie de agiota do tempo, que nos cobra constantemente com juros e correção a possibilidade de viver.
    Tendo consciência racional da morte, surge uma pergunta. O que nos espera? A postura mais óbvia era responder o nada. Mas esse nada se torna muito duro para a maioria dos homens. Tanto que os pensadores gregos e romanos como Sócrates e Cícero afirmam que temos “que aprender a morrer”, é a principal função do filósofo, ensinar a morrer.
    No entanto, os filósofos são a minoria na história da humanidade, portanto, os seres humanos teriam que encontrar outra maneira para aliviar-se do caminho da vida que o levaria ao nada. O homem descobriu Deus, um criador, que não permitiria que a nossa existência se resumisse apenas a essa.
    Sócrates, quando foi condenado a morte, através de um veneno, a cicuta, esperou, segundo Platão, serenamente o momento final, porque estava se preparando para esse dia evitando os excessos no decorrer da sua vida.
    Para Platão a morte de Sócrates foi algo marcante no seu trabalho como filósofo. Questionava a moralidade da pena e não exatamente a morte, se fosse causada por um a acidente ou por causas naturais haveria o sentido do acaso. Mas por outro lado, no decorrer da construção de sua filosofia, Platão entendeu a morte como uma liberdade da alma que poderia habitar o verdadeiro mundo, o inteligível, onde as ideias são puras e não contaminadas pelo mundo sensível, o da matéria, cheio de vicitudes que corrompe o corpo e alma aprisionada dentro dele.
    Para Epicuro, nos não deveríamos preocupar-se com a morte, porque nada se sabe do que virá após ela. Ele propõe pensar em como escolhemos viver. É dele que vem o termo hedonista que no grego significa prazer. Epicuro não acha nenhuma vantagem viver eternamente e em ter uma alma imortal. O mais interessante é viver com prazer, que não é exatamente pra ele os prazeres do corpo. Ele defende a moderação e o cultivo dos prazeres refinados como os da amizade e os espirituais. Epicuro é o filosofo que defende um estilo de vida que os romanos definiam como “carpe diem”, que significa “colha o dia”, ou seja, aproveite o momento.
    Outro pensador, mas contemporâneo, o filósofo alemão Martin Heidegger, defendia a ideia que a existência humana está relacionada ao lançar-se contínuo para o mundo e para vida, que seu final é a morte. O termo que Heidegger utiliza o “ser-para-a-morte, gera no homem uma profunda angústia, porque é lançarmos para o nada”. Essa angústia não é o medo de morrer, mas um ser que existe e que possui a consciência que tem um fim.
    O século XIX foi marcado pela exaltação da ciência, até aquele momento incorruptiva. A ciência decreta a morte de Deus, mas posiciona-se em seu lugar, como uma nova religião a positiva, que tem como o salvador a própria ciência. No entanto, essa santificação da ciência não durou muito, porque bastou duas grandes guerras para perceber que a ciência também promovia a morte, então era poderia representar o mau além do bem.
    Percebemos que a ciência não tem a explicação para as nossas angustias e o nosso medo diante da morte. A sua impossibilidade nesse campo permite a sobrevivência das religiões, que diferente da ciência tem a resposta. Pode ser que muitos não comungam da mesma ideia, porém, ela tem uma resposta, que está na fé.
    A ciência não é mais vista como uma moral cristalizada, a ideia Deus em termos globalizantes está morto, Marx e a utopia da sociedade de trabalhadores também morreram. A tecnologia é capaz de adiar a morte, mas não necessariamente para todos e não fazê não acontecer algum dia.
    Vemos que as pessoas procuram desesperadamente adiar esse momento final. Como afirmei antes, o nosso corpo oxida, envelhece e não podemos fazer muita coisa para mudar essa condição. O mercado de estética e de cirurgias plásticas fatura muito em nossos dias diante do medo que temos de se deparar com um corpo que se deteriora um pouco cada dia. Porém, a mente não, tirando alguns males que afetam o nosso cérebro, nós continuamos pensando intensamente, desejando intensamente e nos angustiando intensamente. Carpe dien, é um dos paliativos para enfrentar esse medo da morte. Numa sociedade hedonista que a utopia da felicidade está relacionada com a satisfação imediata dos prazeres, principalmente relacionado ao consumismo, mas também pode ser vista como a negativa de enfrentar, as doenças, a dor e a morte. O que nos resta é a fé. Para muitos, a fé vai ser vista como mais um paliativo em relação ao nada que nos espera. Mas, se for o nada o nosso destino vai ser ausência de tudo, não sofreremos. Porém, amamos muito a vida, seja ela a pior de todas, mesmo aquele que se coloca como suicida ele ama a vida, tanto, que por um fim no seu ser é a tentativa de acabar com dor que o atormenta e não na vida que continuara pulsando, mesmo sem ele. A fé como metafísica como trasncedência, como essência, e como avalista da nossa existência é o nosso conforto, o nosso destino manifesto, que a vida continua, porque o pulso ainda pulsa.

Marcelo Leal



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