segunda-feira, 25 de junho de 2012

Juventude Transviada

Por: Rodrigo Carreiro

A década de 1950 foi decisiva, em termos culturais, para a história do século XX. Foi nessa época que se desenhou o abismo de gerações que provocou a mais profunda mudança de rumo na sociedade ocidental: a tomada de poder (econômico, social e, em última instância, cultural) pelos jovens. De repente, o mundo começou a perceber que havia uma fissura irremediável entre pais e filhos, entre juventude e meia-idade, entre jovens e velhos. Eram duas gerações que não conseguiam mais dialogar; estavam incomunicáveis. O artefato cultural que melhor documentou a aparição desse abismo foi um filme: “Juventude Transviada” (Rebel Without a Cause, EUA, 1955).
De fato, “Juventude Transviada” é mais do que um filme. É um símbolo, um ícone, uma afirmação definitiva do cinema como obra de arte. Como sabemos, uma das principais funções da arte é espelhar a realidade, oferecendo chances para que a sociedade reflita sobre si mesmo, sobre o que ocorre em suas entranhas. Curioso é que, naquela época, ainda perdurava uma discussão que hoje parece sem sentido: seria o cinema uma forma válida de arte, ou apenas uma linha de montagem de produtos sem valor artístico algum? “Juventude Transviada” veio para dissipar qualquer dúvida, dando uma demonstração inequívoca de que o cinema cumpre, sim, a função social da arte.
Trata-se do caso clássico (mas raro) do filme certo feito na hora certa. O longa-metragem de Nicholas Ray, que ao lado de Hitchcock era o diretor mais cultuado entre os críticos franceses da Nouvelle Vague (leia-se Jean-Luc Godard, François Truffaut e outros futuros cineastas), mostrou que Hollywood estava em sintonia com as ruas. Mérito de Nicholas Ray, um leitor voraz de jornais, que percebera a proliferação de gangues juvenis em Los Angeles e achou que isso daria um bom filme. Ele atirou no que viu e acertou no que não viu. As gangues eram um fenômeno interessante, mas por trás daquela revolta juvenil havia mais. Havia um movimento contínuo e inconsciente da juventude, que começava a se emancipar e ganhar uma voz, algo que não ocorria nas gerações anteriores.
Para completar, um fator extra-filme contribuiu para tornar o longa-metragem mais do que uma obra cinematográfica: a morte de James Dean. O jovem ator, uma estrela meteórica em ascensão, morreu um mês antes de o filme estrear, num acidente de carro causado por direção imprudente. Ele repetia, na vida real, uma das grandes cenas de “Juventude Transviada”. Morria jovem e belo. A união do personagem rebelde que o ator interpretara com a morte precoce produziria um fenômeno da cultura pop. Dean viraria um dos maiores mitos do século XX, a encarnação perfeita do jovem irascível que vive segundo a filosofia do “viva hoje sem pensar em amanhã”.
O acidente fatal de James Dean foi crucial para fazer de “Juventude Transviada” um marco cultural. Afinal, pelo menos duas outras imagens poderosas que simbolizavam a fissura entre jovens e velhos nasciam na mesma época: Marlon Brando vestido de couro negro e sentado numa motocicleta, em “O Selvagem” (1954), e Elvis Presley requebrando os quadris (1956). Brando e Presley, entretanto, não traziam o ingrediente extra da imbricação entre ficção e realidade. Além disso, ambos envelheceriam. Deixariam de ser jovens. James Dean não; a morte, de certa maneira, o tornou imortal. Virou uma imagem simbólica de rebeldia insaciável, um belo jovem louro que preferia queimar de vez a sumir aos poucos. Com o passar dos anos, “Juventude Transviada” apenas reforçaria esse símbolo.
Sim, mas e o filme? É uma maravilha. A começar pela decisão acertada de Nicholas Ray, que fez toda a ação dramática se concentrar em um período de apenas 24 horas. Ele acreditava que essa era a única maneira de capturar a essência do que significa ser jovem: a sensação de viver o momento sem preocupações com o dia seguinte. Além disso, Ray criou uma abertura engenhosa, com uma longa seqüência em que os três personagens principais, que não se conhecem ainda, se cruzam na Delegacia de Menores de Los Angeles.
Jim Stark (James Dean) foi detido por embriaguez, Judy (Natalie Wood) por ter brigado com o pai, e Plato (Sal Mineo), por ter atirado em cães. A câmera de Ray se detém por alguns minutos em cada, e enfatiza a semelhança entre eles: todos são jovens envoltos em sérios problemas de relacionamento com os pais. O desenrolar da ação fará os três se conhecerem e viverem uma aventura trágica no dia seguinte, com clímax num cenário espetacular, que evoca a própria situação emocional dos três: uma mansão abandonada (a mesma casa utilizada para as filmagens do clássico “Crepúsculo dos Deuses”, de Billy Wilder).
Pouco importa que os três atores sejam, claramente, velhos demais para interpretarem adolescentes (percebendo isso, Nicholas Ray tomou a decisão corajosa e correta de jamais mostrá-los dentro de salas de aula, o que enfatizaria ainda mais o problema). O trabalho esplendoroso de cores, tradição nos filmes do diretor, volta a impressionar. Para finalizar, o filme criou muitas modas, algumas fugazes (durante os meses seguintes, jaquetas vermelhas iguais à de James Dean viraram coqueluche mundial) e outras perenes (os filmes de high school viraram um filão lucrativo do cinema, criando até cineastas especializados, como John Hughes), além de influenciar dezenas de filmes posteriores. Ou você ainda não percebeu que a irritação de Marty McFly em “De Volta para o Futuro” (1985), quando é chamado de covarde, vem do inesquecível Jim Stark de James Dean?
A Warner lançou duas versões em DVD no Brasil. A primeira é um disco simples, que contém apenas o filme (widescreen 2.35:1 anamórfico e som Dolby Digital 5.1). A segunda é dupla. O primeiro disco é igualzinho, mas acrescido de um comentário em áudio de um biógrafo de James Dean, Douglas Rathgeb (sem legendas). No disco 2, os pratos principais são dois documentários sobre a produção (36 minutos) e sobre Dean (60 minutos, este feito em 1974). Há ainda uma galeria com 16 cenas cortadas (sem áudio), testes de figurino (6 minutos) e três featurettes dos anos 1950, enfocando Dean, Natalie Wood e Jim Backus (20 minutos no total). Todo esse material tem legendas em português.
- Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, EUA, 1955)
Direção: Nicholas Ray
Elenco: James Dean, Natalie Wood, Sal Mineo, Jim Backus
Duração: 111 minutos

FONTE: http://www.cinereporter.com.br/criticas/juventude-transviada/

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