Por
Marcelo Gonçalves
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Fernando, coloque a cobertura que o Tenente tá chegando! Rozildo era o mais
antigo da viatura, já trabalhava nas ruas há uns bons vinte anos. Fernando
rapidamente colocou a cobertura em sua cabeça, ainda incomodava bastante, pois
era muito nova.
Da
viatura, desceu o Oficial, um jovem de uns vinte e dois anos. O motorista
aproveitou para acender um cigarro, enquanto o Oficial caminhou na direção dos
dois policiais.
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Por que vocês não atendem o rádio? Porra, tá o maior zulu de ocorrências e
vocês parados aí! O Tenente procurava
fazer sua parte, ou seja, acelerar o encerramento de cada chamado para evitar o
acúmulo excessivo de esperas.
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Só falta pegar a papeleta e levar os dados ao Distrito, chefe... Rozildo não
conseguiu terminar a frase.
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Mas por que não atendem o rádio? Passe-me o relatório de ronda! O jovem Oficial
passou a anotar os dados em seu relatório, mas aguardava uma resposta.
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Chefe, estávamos no interior do PS e...
_ Mas
tem que ir os dois! E quem toma conta da viatura? Caralho, se essa merda for
furtada ou danificada vai dar maior dor de cabeça! O Tenente estava vermelho de
raiva, não se conformava com a falta de presteza dos policiais.
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Sim senhor. Não vai mais acontecer, só quis que o recruta me acompanhasse para
ver como é a rotina no PS. Rozildo pegou seu relatório de volta e foi
caminhando até sua viatura na esperança de que o Oficial considerasse como
encerrada a conversa.
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Peguem essa papeleta e encerrem logo a ocorrência! Temos várias para atender
ainda, se todos ajudarem será melhor para o pelotão! O motorista jogou o
cigarro na rua e levou o Oficial para outro destino.
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Filho da puta! Disse Rozildo baixinho.
_ Desculpe,
não quis te colocar em fria, não sei como isso aconteceu...
_ Não
xinguei você, e sim aquele fresco!
_ Mas
você poderia ter contado a verdade, não foi sua culpa!
_ Fernando
você é mesmo um recruta de merda! De que vai adiantar falar para aquele nojento
que você passou mal aqui dentro do PS? Ele vai dar a solução para tudo isso?
Nem ele está preparado ainda, é só um bosta de um recruta também! Eu vou dar a
solução para você, ok? Considere essa ocorrência como mais uma entre milhares
que serão atendidas ainda, apenas isso, entendeu? Não tenha apego a nada! Você
não vai consertar o mundo, nem ele quer conserto, certo? Nossa missão é jogar
cada coisa na lata de lixo correta, certo? Preste atenção no que estou te
dizendo, se você errar a lata, aí vai estar bem fodido! Vamos para o distrito.
_ Mas
e a papeleta?
_
Já está comigo. Peguei-a antes de você desmaiar.
_ Posso
te confessar uma coisa, Rozildo? Ainda não me recuperei...
_ Eu
sei disso. Faremos um deslocamento lento até o distrito e lá não teremos
pressa. Não quero morrer por falta de apoio na próxima ocorrência que formos
atender!
Mas
para um novato qualquer atitude impressiona e deixa marcas eternas em seu âmago,
as horas demoram a passar e o sentimento de incapacidade domina todo o ser. As
cenas marcantes passarão em sua mente por muito tempo ou para sempre.
_
Sabe chegar ao local, recruta? Rozildo mantinha a atenção voltada para o
trânsito, não havia necessidade de olhar para seu companheiro.
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Eu anotei o nome da rua e vou olhar no guia, parece ser próximo daqui. Fernando
encontrou a rua no grosso livro já surrado pelo uso constante. _ É no bairro
Laranjeiral.
_
Então é perto da favela, naquela invasão que faz divisa de área com o batalhão
vizinho. Rozildo acelerou a viatura, enquanto a voz mecânica do rádio pedia
cautela na chegada ao local dos fatos.
_Chegamos!
Procure por aí.
O
final da rua fora tomada por restos de móveis, entulhos, galhos secos e muito
mato, o tímido espaço que restava, mal dava para transitar com a viatura. Era o
único acesso à área invadida por famílias oriundas de várias regiões do Brasil,
conhecida como Laranjeiral.
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Procure embaixo das moitas ou de alguma madeira. Não se esqueça de olhar
pedaços de pano também! Aquele aviso deixou Fernando mais tenso do que já
estava. Curvado, o recruta olhava para baixo como fazem os catadores nas ruas.
Pisava com cautela com receio de tropeçar ou de escorregar em algo. Suas pernas
tremiam tanto que tinha a sensação de que cairia a qualquer momento.
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Aqui está! Disse Rozildo apontando para um buraco feito na ligação do esgoto.
_
Meu Deus! Ela está sem roupa!
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Caralho! Que diferença faz estar vestido ou não numa merda de buraco! Rozildo
desceu cautelosamente, apoiando-se nas bordas da cratera. _ Estou ficando velho
para fazer essas coisas! Ajuda aqui! Pegue-a!
_ Como
eu vou segurá-la sem um cobertor ou pano? O recruta permanecia estático diante
da situação encontrada.
_
Puta que pariu! Segura ela, porra! Vou ficar aqui o dia todo?
Ela
veio para os braços do recruta. Fernando sentiu o corpinho gelado da criança, segurou-a
com carinho, procurando conter a tremedeira. Passou a observar o rostinho do ser
indefeso que já não tinha forças para chorar.
_ Rozildo,
ela não tem nariz e o queixinho está machucado!
_
São os ratos! Devem ter roído algo mais, com certeza! Rozildo fez um esforço
para sair do buraco. _ Entre na viatura que eu te passo a criança, vamos ao PS,
já demoramos demais! Na viatura, Fernando pode verificar que a pobrezinha da
criança perdera ainda dois dedinhos de sua mãozinha esquerda.
_ Segure-a
direito! Ela parece estar caindo dos seus braços!
_
Rozildo, não estou muito bem...
_
Não olhe mais para ela! Faça o que eu digo e tudo dará certo, recruta.
Fernando
não olhou mais para o serzinho em seus braços. Nem quando chegaram ao PS. Nem
nunca mais.
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