(Por Débora B. DOs Santos)
Tudo começou dois dias antes,
quando a professora falou para os seus trinta alunos inquietos em suas
carteiras e incomodados com aquele calor de quase 25°:
- Meninos, prestem bem atenção no
que eu vou falar.
- Só os meninos professora? –
perguntou logo uma voz feminina.
- Não, me desculpem. Meninos e
meninas! Amanhã, na aula de Artes faremos uma atividade um pouco diferente do
que fizemos até agora. Vou escrever uma lista de material aqui na lousa, depois
explicarei o uso de cada um deles e, em seguida, vocês poderão fazer suas
perguntas.
Ela virou para a lousa, tomou o
giz e subitamente lembrou-se de algo que não havia falado:
- Ah, Guilherme B. não precisa
falar que não tem o material, eu já sei!
- Mas professora, eu não disse
nada! – respondeu o garotinho com cara de quem não estava entendendo.
-Eu sei que não, mas ia dizer...
E começou a escrever a lista:
Jornal, saco de lixo, pano ou qualquer outro tecido, sacolinha plástica, fita
crepe, pincel e...tinta guache.
Ainda de costa para os alunos,
pôde ouvir os burburinhos que já se formavam e logo, a frase já esperada:
- Professora, eu não tenho nada
dessas coisas! – era o bendito garotinho. A professora nem precisou responder,
uma aluna fez isso por ela:
- Ai moleque como você é idiota!
A professora já não falou que sabe que você não tem o material? – disse Nicoly,
irritadíssima com o sarcasmo do colega.
- Obrigada Nicoly, mas não
precisa xingar o Guilherme. – disse a professora, evitando a resposta de
Guilherme e iniciando minuciosamente a explicação de cada item da lista e
reforçando que, quem não tivesse esse material em casa, não precisaria se
preocupar, pois usariam o material extra que estava em seu armário.
As perguntas vieram a seguir tudo
ao mesmo tempo e, pacientemente, a professora respondeu cada uma delas,
chamando a atenção de todos para as regras de boa educação e combinados sobre
como se comportar na hora de falar e ouvir ao colega.
No dia seguinte, a agitação
começou do lado de fora. A única coisa que passava pela cabeça da professora ao
avistar a “fila” de alunos ao longe era “pra
quê eu fui inventar”. Ao se aproximar, foi cercada pelo aglomerado de
alunos:
-Serve essa tinta?
-Trouxe glitter!
-Eu não tinha saco de lixo
professora!
-Eu trouxe um a mais professora!
A professora respirou fundo,
organizou mais ou menos a fila e subiu para sala. Passado os quinze primeiro
minutos, depois de muita luta, todos estavam sentados em seus lugares e ela se
atreveu a sentar-se também. Começou a explicar que fariam um boneco usando
apenas jornal e fita crepe. Se prestassem atenção direitinho, em uma hora
concluiriam o boneco e poderiam dar início à pintura.
-Serão necessários três
canudinhos como esses. – mostrou a professora acrescentando que aqueles
canudinhos seriam o “esqueleto” do boneco.
- Eu não sei fazer canudinho. –
disse Camily.
- É fácil! É só pegar assim e
enrolar. – respondeu Áquila simulando um canudo com um pedaço de papel.
- Como é? Ensina de novo aí. - Pediu
Luan angustiado.
A professora logo interviu:
- Vou ensinar aqui na frente e
todos farão junto comigo, bem devagarzinho...
A tentativa da criação do boneco
terminou quatro horas depois.
A sala? Cheia de pedaços de
jornal espalhados pelo chão, resto de cola pelas carteiras, rolos de fita crepe
rolando e alguns materiais desaparecidos. A professora descabelada dizendo:
- Os que não conseguiram terminar
aqui, terminem em casa. Tragam amanhã, pois pintaremos o boneco. – acrescentou
com certo cansaço.
No dia seguinte, terceiro da
jornada, até sentiu uma pontinha de felicidade ao vê-los na fila mostrando os
“protótipos” dos bonecos uns aos outros. Quando se aproximou, só via uma
mãozinha por cima da outra na tentativa de mostrar-lhe o grande trabalho.
-Calma, calma! Na sala poderei
apreciar um por um.
Todos sentados, inclusive a
professora, após as orientações, a ordem foi dada:
-Podem começar! Cleberson
sente-se aqui do meu lado. Vou ajudar a fazer o seu.
O Cleberson tinha aprontado uma daquelas
na semana passada, e aplicada as devidas advertências, a professora estava lhe
dando um “gelo”. Sabendo que o aluno tem uma série de dificuldades, chamou-o
para seu lado na intenção de ajudá-lo e incluí-lo naquele processo ao qual ele
sempre se autoexcluia.
O menino levantou-se rapidamente
e, surpreendentemente, tirou o material solicitado da mochila.
-Oxi, você tem o material é? –
comentou a Maria Rita.
- Eu tenho ué, só não sei fazer,
mas a professora vai me ajudar!
Sentou-se todo feliz ao lado da
professora que foi lhe explicando a estrutura do boneco.
Enquanto isso, ela também dava
outras orientações e tentava responder às várias perguntas feitas pelos demais
alunos:
-Professora eu não tenho verde.
- Faça o verde.
- Que cor faz o verde?
- Pensa um pouquinho, eu já
ensinei! – respondeu a professora.
- Vermelho com amarelo! –
respondeu uma vozinha lá no fundo.
- Não seu burro! É azul com
vermelho! – respondeu outra voz.
- Claro que não! É amarelo com
azul! – disse outra voz.
Do outro lado da sala, outro
alarde:
- Professora, o Gabriel derrubou
meu copo com água!
- Foi sem querer professora, eu
estava passando e bati na mesa dela!
- Deixa que eu limpo! – gritou
uma voz do outro lado.
- Não Alessandro, não
preci...-tentou falar a professora.
Mais um desastre! Alessandro
levantou esquecendo-se do tubo de tinta que estava em seu colo. Enquanto isso,
Cleberson ao seu lado não parava de falar:
- Então professora, daí minha tia
comprou um tênis pra mim e disse pra eu tomar cuidado pra não sujar...
- Talita, por favor, desce lá
embaixo e pega um pano de chão com o pessoal da limpeza.
- Tá prô. Posso aproveitar e
lavar minha mão?
- Pode!
- Prô, posso ir com ela?Minha mão
também tá suja! – disse Andréia.
- Pode Andreia.
-Ei, eu também preciso lavar
minha mão! – declarou Guilherme B.
- Daqui a pouco todo mundo poderá
descer!
E o Cleberson continuava:
- E eu falei que não ia mais
cuidar do meu irmão se ele ficasse falando palavrão...
- Professora, isso aqui é verde?
– perguntou Kalebe.
- Olha pra essa cor? É verde
Kalebe? – perguntou a professora.
- Não é marrom!
-Então porque você veio me
perguntar?
- Ah, vai que a senhora falasse
que estava certo!
- Professora, tá bom assim?
- Você acha que está bom Léo?
O Léo era um dos alunos mais
concentrados da turma e desde o início da aula não havia feito uma única
pergunta. Sentava na última carteira e veio trazendo o cavalo que tinha acabado
de pintar para mostrar.
- Eu acho que está professora!
- Então coloque-o para secar.
O Léo deu as costas e voltou para
o fundo da sala. A professora notou o rastro de pingos de tinta pelo caminho.
Os da ida e vinda de Léo até o seu encontro.
E o Cleberson:
- Daí, minha tia falou que vai
dar na minha cara se eu fizer isso de novo.
-Professora, a Eduarda pegou
minha tinta sem pedir.
- Eduarda, por que você fez isso?
-Ela também pegou a minha!
- Nicoly, devolve a tinta dela. E
Eduarda, faça a mesma coisa!
- Professora, já terminei! Posso
pôr pra secar?
-Sim, Alekssandra, pode!
- Professora, vou atrás de uma
vassoura pra limpar a sala.
- Não! Só quando todos terminarem!
- Terminei!
- Traga pra eu ver.
O menino trouxe o boneco como se
fosse um troféu.
- Felipe, o que é o seu boneco? –
perguntou a professora.
- É um boitatá, prô!
- Azul?
- É.
- Por que azul?
- Na lenda não fala qual é a cor
dele. E eu gosto de azul!
Dessa vez, ela ficou sem
resposta. Disse apenas:
- Ok, leve-o para o fundo da sala
e deixe secar.
- Professora, posso ir ao
banheiro?
- Pode Guilherme...
Ao seu lado, ela ainda podia ouvir:
-Daí professora, eu tomei banho,
me arrumei, mas não podia sair, minha prima não tinha chegado...
A única coisa que passava pela
cabeça da professora era que ainda restavam mais quatro aulas pela frente!
Nenhum comentário:
Postar um comentário