quinta-feira, 30 de agosto de 2012

TINTA GUACHE


(Por Débora B. DOs Santos)

Tudo começou dois dias antes, quando a professora falou para os seus trinta alunos inquietos em suas carteiras e incomodados com aquele calor de quase 25°:
- Meninos, prestem bem atenção no que eu vou falar.
- Só os meninos professora? – perguntou logo uma voz feminina.
- Não, me desculpem. Meninos e meninas! Amanhã, na aula de Artes faremos uma atividade um pouco diferente do que fizemos até agora. Vou escrever uma lista de material aqui na lousa, depois explicarei o uso de cada um deles e, em seguida, vocês poderão fazer suas perguntas.
Ela virou para a lousa, tomou o giz e subitamente lembrou-se de algo que não havia falado:
- Ah, Guilherme B. não precisa falar que não tem o material, eu já sei!
- Mas professora, eu não disse nada! – respondeu o garotinho com cara de quem não estava entendendo.
-Eu sei que não, mas ia dizer...
E começou a escrever a lista: Jornal, saco de lixo, pano ou qualquer outro tecido, sacolinha plástica, fita crepe, pincel e...tinta guache.
Ainda de costa para os alunos, pôde ouvir os burburinhos que já se formavam e logo, a frase já esperada:
- Professora, eu não tenho nada dessas coisas! – era o bendito garotinho. A professora nem precisou responder, uma aluna fez isso por ela:
- Ai moleque como você é idiota! A professora já não falou que sabe que você não tem o material? – disse Nicoly, irritadíssima com o sarcasmo do colega.
- Obrigada Nicoly, mas não precisa xingar o Guilherme. – disse a professora, evitando a resposta de Guilherme e iniciando minuciosamente a explicação de cada item da lista e reforçando que, quem não tivesse esse material em casa, não precisaria se preocupar, pois usariam o material extra que estava em seu armário.
As perguntas vieram a seguir tudo ao mesmo tempo e, pacientemente, a professora respondeu cada uma delas, chamando a atenção de todos para as regras de boa educação e combinados sobre como se comportar na hora de falar e ouvir ao colega.
No dia seguinte, a agitação começou do lado de fora. A única coisa que passava pela cabeça da professora ao avistar a “fila” de alunos ao longe era “pra quê eu fui inventar”. Ao se aproximar, foi cercada pelo aglomerado de alunos:
-Serve essa tinta?
-Trouxe glitter!
-Eu não tinha saco de lixo professora!
-Eu trouxe um a mais professora!
A professora respirou fundo, organizou mais ou menos a fila e subiu para sala. Passado os quinze primeiro minutos, depois de muita luta, todos estavam sentados em seus lugares e ela se atreveu a sentar-se também. Começou a explicar que fariam um boneco usando apenas jornal e fita crepe. Se prestassem atenção direitinho, em uma hora concluiriam o boneco e poderiam dar início à pintura.
-Serão necessários três canudinhos como esses. – mostrou a professora acrescentando que aqueles canudinhos seriam o “esqueleto” do boneco.
- Eu não sei fazer canudinho. – disse Camily.
- É fácil! É só pegar assim e enrolar. – respondeu Áquila simulando um canudo com um pedaço de papel.
- Como é? Ensina de novo aí. - Pediu Luan angustiado.
A professora logo interviu:
- Vou ensinar aqui na frente e todos farão junto comigo, bem devagarzinho...
A tentativa da criação do boneco terminou quatro horas depois.
A sala? Cheia de pedaços de jornal espalhados pelo chão, resto de cola pelas carteiras, rolos de fita crepe rolando e alguns materiais desaparecidos. A professora descabelada dizendo:
- Os que não conseguiram terminar aqui, terminem em casa. Tragam amanhã, pois pintaremos o boneco. – acrescentou com certo cansaço.
No dia seguinte, terceiro da jornada, até sentiu uma pontinha de felicidade ao vê-los na fila mostrando os “protótipos” dos bonecos uns aos outros. Quando se aproximou, só via uma mãozinha por cima da outra na tentativa de mostrar-lhe o grande trabalho.
-Calma, calma! Na sala poderei apreciar um por um.
Todos sentados, inclusive a professora, após as orientações, a ordem foi dada:
-Podem começar! Cleberson sente-se aqui do meu lado. Vou ajudar a fazer o seu.
O Cleberson tinha aprontado uma daquelas na semana passada, e aplicada as devidas advertências, a professora estava lhe dando um “gelo”. Sabendo que o aluno tem uma série de dificuldades, chamou-o para seu lado na intenção de ajudá-lo e incluí-lo naquele processo ao qual ele sempre se autoexcluia.
O menino levantou-se rapidamente e, surpreendentemente, tirou o material solicitado da mochila.
-Oxi, você tem o material é? – comentou a Maria Rita.
- Eu tenho ué, só não sei fazer, mas a professora vai me ajudar!
Sentou-se todo feliz ao lado da professora que foi lhe explicando a estrutura do boneco.
Enquanto isso, ela também dava outras orientações e tentava responder às várias perguntas feitas pelos demais alunos:
-Professora eu não tenho verde.
- Faça o verde.
- Que cor faz o verde?
- Pensa um pouquinho, eu já ensinei! – respondeu a professora.
- Vermelho com amarelo! – respondeu uma vozinha lá no fundo.
- Não seu burro! É azul com vermelho! – respondeu outra voz.
- Claro que não! É amarelo com azul! – disse outra voz.
Do outro lado da sala, outro alarde:
- Professora, o Gabriel derrubou meu copo com água!
- Foi sem querer professora, eu estava passando e bati na mesa dela!
- Deixa que eu limpo! – gritou uma voz do outro lado.
- Não Alessandro, não preci...-tentou falar a professora.
Mais um desastre! Alessandro levantou esquecendo-se do tubo de tinta que estava em seu colo. Enquanto isso, Cleberson ao seu lado não parava de falar:
- Então professora, daí minha tia comprou um tênis pra mim e disse pra eu tomar cuidado pra não sujar...
- Talita, por favor, desce lá embaixo e pega um pano de chão com o pessoal da limpeza.
- Tá prô. Posso aproveitar e lavar minha mão?
- Pode!
- Prô, posso ir com ela?Minha mão também tá suja! – disse Andréia.
- Pode Andreia.
-Ei, eu também preciso lavar minha mão! – declarou Guilherme B.
- Daqui a pouco todo mundo poderá descer!
E o Cleberson continuava:
- E eu falei que não ia mais cuidar do meu irmão se ele ficasse falando palavrão...
- Professora, isso aqui é verde? – perguntou Kalebe.
- Olha pra essa cor? É verde Kalebe? – perguntou a professora.
- Não é marrom!
-Então porque você veio me perguntar?
- Ah, vai que a senhora falasse que estava certo!
- Professora, tá bom assim?
- Você acha que está bom Léo?
O Léo era um dos alunos mais concentrados da turma e desde o início da aula não havia feito uma única pergunta. Sentava na última carteira e veio trazendo o cavalo que tinha acabado de pintar para mostrar.
- Eu acho que está professora!
- Então coloque-o para secar.
O Léo deu as costas e voltou para o fundo da sala. A professora notou o rastro de pingos de tinta pelo caminho. Os da ida e vinda de Léo até o seu encontro.
E o Cleberson:
- Daí, minha tia falou que vai dar na minha cara se eu fizer isso de novo.
-Professora, a Eduarda pegou minha tinta sem pedir.
- Eduarda, por que você fez isso?
-Ela também pegou a minha!
- Nicoly, devolve a tinta dela. E Eduarda, faça a mesma coisa!
- Professora, já terminei! Posso pôr pra secar?
-Sim, Alekssandra, pode!
- Professora, vou atrás de uma vassoura pra limpar a sala.
- Não! Só quando todos terminarem!
- Terminei!
- Traga pra eu ver.
O menino trouxe o boneco como se fosse um troféu.
- Felipe, o que é o seu boneco? – perguntou a professora.
- É um boitatá, prô!
- Azul?
- É.
- Por que azul?
- Na lenda não fala qual é a cor dele. E eu gosto de azul!
Dessa vez, ela ficou sem resposta. Disse apenas:
- Ok, leve-o para o fundo da sala e deixe secar.
- Professora, posso ir ao banheiro?
- Pode Guilherme...
Ao seu lado,  ela ainda podia ouvir:
-Daí professora, eu tomei banho, me arrumei, mas não podia sair, minha prima não tinha chegado...
A única coisa que passava pela cabeça da professora era que ainda restavam mais quatro aulas pela frente! 

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